“Um Momento de Oportunidade: Impulsionando a Nova Era da Energia”
Discurso especial do secretário-geral da ONU, António Guterres, em 22 de julho de 2025.
Excelências,
Senhoras e senhores,
Amigas e amigos que nos acompanham em todo o mundo,
As manchetes estão dominadas por um mundo em apuros.
Por conflitos e caos climático. Pelo aumento do sofrimento humano. Por crescentes divisões geopolíticas.
Mas, em meio a toda esta turbulência, outra história está sendo escrita. E as suas implicações serão profundas.
Ao longo da história, a energia moldou o destino da humanidade – desde o domínio do fogo, à utilização do vapor, até à divisão do átomo.
Agora, estamos no limiar de uma nova era.
Os combustíveis fósseis estão chegando ao fim da linha.
O sol está nascendo para uma nova era de energias limpas. Basta seguir o dinheiro.

No ano passado, foram investidos 2 trilhões de dólares em energias limpas – ou seja, 800 bilhões a mais do que em combustíveis fósseis, representando um aumento de quase 70% em dez anos.
E os novos dados divulgados hoje pela Agência Internacional de Energias Renováveis mostram que a energia solar – que há não muito tempo custava quatro vezes mais do que os combustíveis fósseis – é agora 41% mais barata.
A energia eólica offshore é 53% mais barata.
E mais de 90% das novas fontes renováveis em todo o mundo produziram eletricidade com um custo inferior à alternativa fóssil mais barata.
Isto não é apenas uma mudança de fonte de energia.
É uma mudança de possibilidades.
Sim, de nos reconciliarmos com o clima. Atualmente, as emissões de carbono evitadas em todo o mundo graças às energias solar e eólica, já são quase equivalentes ao que toda a União Europeia emite em um ano.
Mas esta transformação é, acima de tudo, sobre segurança energética e segurança das pessoas.
Sobre uma economia inteligente.
Sobre empregos dignos, saúde pública e o avanço dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
E sobre garantir energias limpas e acessíveis para todas as pessoas, em todos os lugares.
Hoje, lançamos um relatório especial com o apoio de agências da ONU e outros parceiros – a Agência Internacional de Energia, o FMI, a IRENA, a OCDE e o Banco Mundial. O relatório mostra o quanto avançamos na década desde que o Acordo de Paris desencadeou uma revolução para as energias limpas.
E destaca os enormes benefícios – e as ações necessárias – para acelerar uma transição justa a nível global.
Nenhum governo. Nenhuma indústria. Nenhum interesse especial pode impedi-lo.
Claro que o lobby dos combustíveis fósseis irá tentar – e sabemos até onde estão dispostos a ir.
Mas nunca estive tão confiante de que irão falhar – porque já ultrapassámos o ponto sem retorno.

Por três razões significativas:
Em primeiro lugar, a economia de mercado.
Durante décadas, as emissões e o crescimento econômico aumentaram lado a lado. Já não é assim. Em muitas economias avançadas, as emissões atingiram o pico, mas o crescimento continua.
Só em 2023, os setores das energias limpas impulsionaram 10% do crescimento do PIB mundial. Na Índia, 5%. Nos Estados Unidos, 6%. Na China, um líder na transição energética, 20%. E na União Europeia, quase 33%.
E os empregos no setor das energias limpas já ultrapassam os do setor dos combustíveis fósseis – empregando quase 35 milhões de pessoas em todo o mundo.
Até o Texas – o coração da indústria de combustíveis fósseis dos EUA – é líder no país em energias renováveis.
Porquê? Porque faz sentido economicamente.
E, no entanto, os combustíveis fósseis ainda se beneficiam de uma vantagem de 9 para 1 em subsídios ao consumo a nível global – uma clara distorção do mercado. Se somarmos os incalculáveis custos dos danos climáticos para as pessoas e para o planeta, a distorção é ainda maior.
Os países que se agarram aos combustíveis fósseis não estão protegendo suas economias, estão sabotando-as.
Aumentando os custos. Enfraquecendo a competitividade. Ficando presos a ativos encalhados.
E perdendo a maior oportunidade econômica do século 21.
Caros amigos,
Em segundo lugar – as energias renováveis vieram para ficar porque são a base da segurança e da soberania energéticas.
Sejamos claros: atualmente, a maior ameaça à segurança energética são os combustíveis fósseis. Estes deixam as economias e as populações à mercê de choques de preços, de interrupções no fornecimento e da turbulência geopolítica.
Basta olhar para a invasão da Ucrânia pela Rússia.
Uma guerra na Europa desencadeou uma crise energética global.
Os preços do petróleo e do gás dispararam.
As faturas de eletricidade e os alimentos seguiram o mesmo caminho.
Em 2022, os domicílios em todo o mundo viram os custos energéticos aumentarem, em média, 20%.
As economias modernas e competitivas precisam de energia estável e acessível.
As renováveis oferecem ambas as condições. Não há picos no preço para a luz do sol. Não há embargos ao vento.
As energias renováveis podem colocar o poder – literal e figurativamente – nas mãos das pessoas e dos governos.
E quase todas as nações têm sol, vento ou água suficientes para se tornarem autossuficientes em energia.
As renováveis significam uma verdadeira segurança energética, uma verdadeira soberania energética e uma verdadeira liberdade face à volatilidade dos combustíveis fósseis.
Caros amigos,
A terceira e última razão pela qual não há volta atrás para as renováveis: o acesso fácil.
Não se pode construir uma central a carvão no quintal de alguém.
Mas é possível instalar painéis solares na aldeia mais remota do planeta.
As energias solar e eólica podem ser implementadas de forma mais rápida, mais barata e mais flexível do que os combustíveis fósseis alguma vez permitiram.
E embora a energia nuclear vá continuar a fazer parte do mix energético global, nunca conseguirá colmatar as lacunas no acesso.
Tudo isto muda radicalmente o jogo para as centenas de milhões de pessoas que ainda vivem sem eletricidade – a maioria na África, um continente com um enorme potencial para as renováveis.
Até 2040, África poderia gerar dez vezes mais eletricidade do que necessita – inteiramente a partir de fontes renováveis.
Já estamos a ver tecnologias renováveis de pequena escala e fora da rede iluminar casas, alimentar escolas e dinamizar empresas.
E em países como o Paquistão, é o poder das pessoas que impulsiona a energia solar – são os próprios consumidores que lideram o aumento das energias limpas.
Caros amigos,
A transição energética é imparável.
Mas a transição ainda não é suficientemente rápida nem suficientemente justa:
- Os países da OCDE e a China representam 80% da capacidade instalada das energias renováveis em todo o mundo.
- O Brasil e a Índia representam quase 10%.
- África – apenas 1,5%.
Entretanto, a crise climática está devastando vidas e meios de subsistência.
Desastres climáticos em pequenos Estados insulares já eliminaram mais de 100% do PIB.
Nos Estados Unidos, estão fazendo disparar as apólices de seguro.
E o limite de 1,5 graus no aquecimento global corre um perigo sem precedentes.
Para mantê-lo ao nosso alcance, temos de acelerar drasticamente a redução das emissões e a expansão da transição para a energia limpa.

Com a capacidade de produção crescendo, os preços caindo e a COP30 a aproximar-se rapidamente… Esta é a nossa oportunidade.
Temos de aproveitá-la. Podemos fazê-lo atuando em seis áreas de oportunidade:
Em primeiro lugar – através da utilização dos novos planos climáticos nacionais para apostar totalmente na transição energética.
Demasiadas vezes, os governos enviam mensagens contraditórias: Metas ambiciosas para as renováveis num dia. Novos subsídios e expansões para os combustíveis fósseis no dia seguinte.
Os próximos planos climáticos nacionais, ou NDCs, devem ser apresentados dentro de poucos meses.
Têm de trazer clareza e certeza.
Os países do G20 devem liderar. Representam 80% das emissões globais.
O princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas deve ser aplicado, mas todos os países têm de fazer mais.
Antes da COP30 no Brasil, em novembro próximo, devem apresentar novos planos.
Convido os líderes a apresentarem as suas novas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) num evento que organizarei em setembro, durante a semana de alto nível da Assembleia Geral. Elas devem:
- Abranger todas as emissões, em toda a economia.
- Estar alinhadas com o limite de 1,5 grau.
- Integrar prioridades energéticas, climáticas e de desenvolvimento sustentável numa visão coerente.
- Cumprir as promessas globais: Duplicar a eficiência energética e triplicar a capacidade das energias renováveis até 2030.
- E acelerar a transição afastando-se dos combustíveis fósseis.
Estes planos devem ser sustentados por roteiros de longo prazo que definam uma transição justa para sistemas energéticos com emissões líquidas nulas – em linha com o objetivo global de emissões líquidas zero até 2050.
E devem ser apoiados por políticas que demonstrem que o futuro das energias limpas não é apenas inevitável – é também um investimento.
Políticas que criem regras claras e uma sequência de projetos.
Que reforcem as parcerias público-privadas – desbloqueando capital e inovação.
Que atribuam um preço significativo ao carbono.
E que eliminem os subsídios e o financiamento público internacional aos combustíveis fósseis – conforme prometido.
Em segundo lugar, esta é a nossa oportunidade para construir os sistemas energéticos do século 21.
A tecnologia avança rapidamente. Em apenas quinze anos, o custo dos sistemas de armazenamento de energia em baterias para redes elétricas caiu mais de 90%.
Mas há um problema: os investimentos nas infraestruturas certas não estão acompanhando este ritmo.
Por cada dólar investido em energias renováveis, apenas 60 centavos são investidos em redes e armazenamento.
Essa proporção deveria ser de um para um. Estamos construindo capacidades em renováveis – mas não estamos ligando-as à rede com a rapidez necessária.
Há três vezes mais energias renováveis à espera de serem conectadas às redes do que aquelas que foram geradas no ano passado.
E os combustíveis fósseis ainda dominam o total global do mix energético.
Temos de agir agora e investir na espinha dorsal de um futuro energético limpo:
- Em redes modernas, flexíveis e digitais – incluindo a integração regional.
- Numa expansão massiva do armazenamento de energia.
- Em redes de carregamento – para alimentar a revolução dos veículos elétricos.
- E em eficiência energética e eletrificação em edifícios, transportes e indústria.
É assim que desbloqueamos todo o potencial das renováveis e construímos sistemas energéticos limpos, seguros e preparados para o futuro.
Em terceiro lugar, esta é a nossa oportunidade para responder de forma sustentável à crescente procura energética mundial.
Cada vez mais pessoas estão a ligadas à rede.
Cada vez mais cidades estão aquecendo – com uma procura crescente por sistemas de resfriamento. E mais tecnologias – da inteligência artificial às finanças digitais – estão devorando eletricidade.
Os governos devem ter como objetivo satisfazer toda a nova procura de eletricidade com energias renováveis.
A Inteligência Artificial pode aumentar a eficiência, a inovação e a resiliência dos sistemas energéticos. Mas também consome muita energia.
Um data center de IA comum consome tanta eletricidade como 100.000 residências. Os maiores irão, em breve, consumir vinte vezes mais do que isso.
Até 2030, os centros de dados poderão consumir tanta eletricidade quanto todo o Japão consome atualmente.
Isto não é sustentável – a menos que o tornemos sustentável.
E o setor tecnológico deve estar na linha da frente.
Hoje, apelo a todas as grandes empresas tecnológicas para que alimentem todos os seus centros de dados com 100% de energias renováveis até 2030.
E – juntamente com outros setores – devem utilizar a água de forma sustentável nos sistemas de resfriamento.
O futuro está sendo construído na nuvem. Tem de ser alimentado pelo sol, pelo vento e pela promessa de um mundo melhor.
Caros amigos,
Em quarto lugar, esta é a oportunidade para uma transição energética justa.
A era das energias limpas tem de trazer equidade, dignidade e oportunidades para todas as pessoas.
Isto significa que os governos devem liderar uma transição justa:
Com apoio, educação e formação – para os trabalhadores dos combustíveis fósseis, jovens, mulheres, povos indígenas e outros – para que possam prosperar na nova economia do setor energético.
Com uma proteção social mais forte – para que ninguém fique para trás.
E com cooperação internacional para ajudar os países de baixo rendimento altamente dependentes dos combustíveis fósseis e com dificuldades em fazer a transição.
Mas a justiça não termina aí.
Os minerais críticos que alimentam a revolução das energias limpas encontram-se frequentemente em países que são há muito tempo explorados.
E hoje, vemos a história se repetir:
- Comunidades maltratadas.
- Direitos atropelados.
- Ambientes destruídos.
- Nações presas no fundo das cadeias de valor – enquanto outras colhem os lucros.
- E modelos de extração que cavam fossos ainda mais fundos de desigualdade e danos.
Isto tem de acabar.
Os países em desenvolvimento podem desempenhar um papel fundamental na diversificação das fontes de abastecimento.
O Painel das Nações Unidas sobre Minerais Críticos para a Transição Energética mostrou o caminho a seguir – com uma abordagem baseada nos direitos humanos, na justiça e na equidade.

Hoje, apelo aos governos, às empresas e à sociedade civil para que trabalhem conosco na concretização das suas recomendações.
Vamos construir um futuro que não seja apenas verde – mas também justo.
Não apenas rápido – mas também equitativo.
Não apenas transformador – mas também inclusivo.
Em quinto lugar, temos uma oportunidade para usar o comércio e o investimento como motores da transição energética.
As energias limpas precisam de mais do que ambição.
Precisam de acesso – a tecnologias, a materiais e a capacidade de produção.
Mas esses recursos estão concentrados em apenas alguns países.
E o comércio global está se fragmentando.
A política comercial deve apoiar a política climática.
Os países comprometidos com a nova era energética devem se unir para garantir que o comércio e o investimento a impulsionem:
- Através da construção de cadeias de abastecimento diversificadas, seguras e resilientes.
- Através da redução de tarifas sobre os bens das energias limpas.
- Através da mobilização de investimento e de comércio – incluindo a Cooperação Sul-Sul.
- E através da modernização de tratados de investimento ultrapassados – começando pelas disposições de Resolução de Litígios entre Investidores e Estados.
Hoje, os interesses ligados aos combustíveis fósseis estão usando essas disposições como arma para atrasar a transição, especialmente nos países em desenvolvimento.
A reforma é urgente.
A corrida pelo novo não pode ser uma corrida para uns poucos países.
Tem de ser uma colaboração – compartilhada, inclusiva e resiliente.
Vamos fazer do comércio uma ferramenta de transformação.
Em sexto e último lugar, esta é a nossa oportunidade para libertar todo o potencial das finanças – canalizando investimento para mercados com enorme potencial.
Apesar da procura crescente e do vasto potencial das energias renováveis, os países em desenvolvimento estão sendo excluídos da transição energética.
A África possui 60% dos melhores recursos solares do mundo. Mas recebeu apenas 2% do investimento global em energias limpas no ano passado.
Se olharmos para o panorama geral, o contraste é igualmente gritante.
Na última década, apenas um em cada cinco dólares investidos em energias limpas foi para países emergentes e em desenvolvimento fora da China.
Para manter vivo o limite de 1,5 grau – e garantir acesso universal à energia – o investimento anual em energias limpas nesses países terá de aumentar mais de cinco vezes até 2030.
Isso exige políticas nacionais ousadas.
E ação internacional concreta para:
- Reformar a arquitetura financeira internacional.
- Aumentar drasticamente a capacidade de empréstimo dos bancos multilaterais de desenvolvimento – tornando-os maiores, mais audazes e mais capazes de mobilizar grandes volumes de financiamento privado a custos razoáveis;
- E tomar medidas eficazes em matéria de alívio da dívida – e ampliar instrumentos já comprovados como as trocas de dívida por ação climática.
Hoje, os países em desenvolvimento pagam somas exorbitantes tanto por dívida como por financiamento de capital – em parte devido a modelos de risco ultrapassados, preconceitos e pressupostos errados que aumentam o custo do capital.
As agências de risco e os investidores têm de se modernizar.
Precisamos de uma nova abordagem ao risco que reflita:
- O potencial das energias limpas.
- O custo crescente do caos climático.
- E o perigo dos ativos fósseis encalhados.
Apelo às partes para que se unam e enfrentem os desafios complexos que alguns países em desenvolvimento enfrentam na transição energética – como a reforma antecipada de centrais a carvão.
Caros amigos,
A era dos combustíveis fósseis está definhando e fracassando.
Estamos no alvorecer de uma nova era energética.
Uma era em que energia barata, limpa e abundante alimenta um mundo rico em oportunidades econômicas.
Onde as nações têm a segurança da autonomia energética.
E a dádiva da energia é uma dádiva para todas as pessoas.
Esse mundo está ao nosso alcance.
Mas não acontecerá por si só.
Nem com a rapidez suficiente. Nem com a justiça suficiente.
Depende de nós.
Temos as ferramentas para alimentar o futuro da humanidade.
Vamos usá-las da melhor forma.
Esta é a nossa oportunidade.
Muito obrigado.
Assista à gravação do discurso especial "Um Momento de Oportunidade: Impulsionando a Nova Era da Energia", de 22 de julho de 2025:
http://webtv.un.org/en/asset/k1f/k1fk1g2no0
Para saber mais, siga @nacoesunidas e visite a página global das Nações Unidas: https://www.un.org/en/climatechange/moment-opportunity-2025
Discurso de
