CAMPANHA LARANJA : 16 DIAS CONTRA A VIOLÊNCIA DE GÉNERO
Entrevista com Caterina Viegas, presidente do Grupo de Trabalho sobre Mulheres, Juventude, Paz e Segurança na África Ocidental e no Sahel, Antena na GB
No dia 25 de Novembro , celebramos o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra Mulheres.
Este dia arranca, o início de uma campanha de 16 dias contra a violência de gênero, que termina no dia 10 de Dezembro, Dia dos Direitos Humanos.
Esta campanha é associada a cor laranja, uma cor que representa um futuro livre de violência.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) na Guiné-Bissau, decidiu entrevistar a Sra. Caterina Viegas, recém-eleita Presidente do Grupo de Trabalho sobre mulheres juventude e paz.
Nesta conversa abordamos a violência de género, os impactos que está violência têm no sector da saúde, entre outros.
Convidamos-vos a ler esta interessante entrevista!
OMS Guiné-Bissau : Dia 25, Dia Internacional da Violência de Género, houve um relatório da ONG FEC que afirmava que 67% das mulheres na Guiné-Bissau, sofreram de violência de género. Quais são os tipos de violência que uma mulher sofre na Guiné-Bissau?
Caterina Viegas: São preocupantes esses números, podemos dizer que quase 70% das mulheres sofrem de violência baseada no género. A violência começa já numa idade muito tenra, por exemplo mais de 50 % das meninas na Guiné-Bissau sofrem da mutilação genital feminina. Devemos lamentar esta prática e afirmar que é uma violência contra o sexo feminino, que infelizmente está muito presente no nosso país. A consequência deste tipo de violência, reflete na saúde da mulher, na sua vida sexual e reprodutiva e fica um trauma que a acompanha para o resto da vida.
O segundo aspeto tem a ver com a violência sexual, as mulheres quase que não abordam este aspeto é um tabu. Na Guiné-Bissau também não existe uma lei que proíbe o incesto. As mulheres são intimidadas para não falar desse assunto. A sociedade também depois dessa situação vai repudiar e culpar a mulher, por exemplo, dizem que a “mulher não tem cabeça”, que a “mulher aceita isso” ou que a “mulher fala coisas que não devia falar”. Infelizmente, existe o pacto, que a violência sexual, tem que ser um segredo familiar ou da comunidade, para evitar eventuais choques de família.
Vou dar-vos um exemplo concreto, há uns anos, fui a Biombo fazer pesquisas, queria ver os casos onde as mulheres apresentavam queixas contra o agressor. A maioria destas queixas eram relacionadas com a violência sexual. Quando os agentes do tribunal iniciam o julgamento, e começam a recolher depoimentos, os familiares vêm pedir para arquivar o caso, que já chegaram a consenso ou querem proteger a menina. Existe a crença, que se as pessoas souberem do caso, nenhum homem vai querer casar com a menina. Devido à estas influências culturais, estas situações de violência acabam por não ser julgadas, os agressores ficam impunes e estes atos infelizmente continuam.
O terceiro aspeto, está relacionado com a pobreza, tanto do lado das mulheres como das meninas. Devido a estas situações precárias, as meninas, viram-se para atividades relacionadas com o sexo. Isto para mim é violência. As mulheres passam também por este tipo de violência, porque não tem meios económicos para se posicionar, falar ou para negar certas atividades que lhes fazem mal. Acabam por aceitar tudo. Esta violência sexual, também está relacionada com o seu parceiro.
"A violência começa já numa idade muito tenra, por exemplo mais de 50 % das meninas na Guiné-Bissau sofrem da mutilação genital feminina."
Por exemplo, uma mulher deu à luz e depois queria ir visitar os seus familiares para lhe apoiarem nos primeiros meses. Esta mulher pediu dinheiro ao marido, para poder pagar o transporte até a tabanca dos familiares. O marido disse-lhe que só lhe dava dinheiro, depois de terem relações sexuais. Isto é um caso de violência sexual. O problema é que a comunidade acha normal, dizem sempre que é habitual os casais terem problemas. O que as pessoas não entendem é que podemos ter problemas, mas o importante é dialogar em vez de estarmos a brigar ou como se diz em crioulo suta.
Outro tipo de violência é quando o homem não assume a sua responsabilidade, por exemplo o sustento da família, ou não dialoga com a mulher sobre a educação das crianças.
O quinto ponto é que a consequência desta violência, acaba por recair nas crianças. Quando numa família, o homem e a mulher não se entendem, quando há problemas por causa do rendimento, ou da não responsabilidade do homem, as crianças sofrem. Não têm acesso à educação, à saúde e ao bem-estar.
O sexto aspeto é a exploração infantil. Muitas crianças são incentivadas para fazerem a vida ambulante de banana, mancarra. As crianças andam de um lado para o outro, e a maioria dessas crianças são meninas e podem ser aproveitadas. Muitos homens aproveitam essas meninas. Entre os rapazes, existem aqueles meninos que são aproveitados para pedir esmolas na rua, são os meninos talibés. São estipuladas as quantidades que tem que trazer. Estas práticas de abuso infantil, estão espalhadas por todo o território da Guiné-Bissau.
Outro tipo de violência são os casamentos forçados ou arranjados. As meninas agora têm alguma instrução e sendo assim tentam fugir desses casamentos. Procuram o acolhimento de alguém ou de uma instituição, para poderem continuar com os seus estudos e escapar deste ato tão violento e bárbaro.
OMS Guiné-Bissau: Pela sua primeira resposta, dá a impressão que muitas vezes a comunidade em vez de apoiar a vítima, tenta silenciar o abuso. Queria saber então se a violência de género é vista como uma preocupação para a comunidade?
Caterina Viegas: A comunidade pensa que está a proteger a vítima. Reflexiona da seguinte maneira “se toda a gente souber que a vítima foi violada, ela vai ficar sem um casamento, sem um lar”. Existem organizações a trabalhar nas regiões, para sensibilizar as comunidades que a violência deve ser abordada e o agressor tem que ser punido.
Existem trabalhos a serem feitos com o poder tradicional e religioso, para sensibilizar os líderes sobre a violência em base de género. Conheço também associações de mulheres que tentam mediar conflitos.
Vou dar outro exemplo concreto, na nossa lei uma mulher deve ficar com a criança até aos 9 anos de idade. Houve um caso que o marido tentou reter a criança, para ver se com isso a mulher também ficava. Os líderes do poder tradicional, tentam mobilizar a mulher para ficar.
Nas regiões de Gabu e Bafatá, chama-se a essa prática em fula, Djoka Renta, que é um diálogo para a mediação, onde as partes têm que se entender na base da harmonia. Aí, infelizmente não tomam em consideração a gravidade da violência ou do problema, não levam para a polícia ou a justiça, o agressor. Falam, falam depois vão pedir a mulher para sofrer e ficar com o marido. O marido, fica impune e esses tipos de violações continuam, pois, uma conversinha acaba por apaziguar tanta crueldade. Isso afeta a família, a mulher e as crianças de novo.
OMS Guiné-Bissau: Acha que a violência de género é discutida entre as mulheres e as meninas? Ou é ainda é um tabu?
Caterina Viegas : Não é um tabu, pelo menos ao nível da capital, Bissau, existe essa conversa entre as mulheres sobre a violência. Com outras organizações da sociedade civil, existe esse espaço de partilha e de procurar soluções, para as mulheres poderem encontrar uma solução quando existe assedio, repressão ou violência.
A educação dada aos homens é para estarem na esfera pública, na política, nos serviços administrativos, então acham que o lugar deles é nos diferentes departamentos, na liderança dos partidos políticos ou na governação, enquanto a mulher deve ficar em casa para os trabalhos domésticos.
A Mulher está preparada para uma concorrência com os homens. Essa mudança tem que acontecer. Acreditamos que no futuro haverá um reconhecimento do sexo masculino, em considerar o sexo aposto como uma colega de trabalho e que poderá dar a sua contribuição para transformação tanto social, como para o desenvolvimento do país.
"A Mulher está preparada para uma concorrência com os homens. Essa mudança tem que acontecer."
OMS Guiné-Bissau: Que tipo de estigma, tem uma mulher que foi vítima de violência de género?
Caterina Viegas: Normalmente as pessoas pensam que a culpa é das mulheres ou das meninas, porque o estilo dela não é favorável ou que o vestuário devia tapar todo o corpo. O incesto é a mesma coisa, dizem que a mulher provoca o homem e não veem que pode ser o contrário.
Toda a família coloca de lado a vítima, em vez de a apoiar, a vítima sofre de sanções a nível da família e da comunidade. Cortam a comunicação com a pessoa, e esta é vista como uma inútil que não tem carácter. Se ficar grávida pior ainda, a pessoa é posta fora de casa. Se recusar o casamento forçado, ela vai ser procurada e vai sofrer sanções. É um contexto de muita violência que a pessoa dificilmente escapa quando é vitima.
As organizações de defesa, tentam apoiar, temos a Liga Guineense dos Direitos Humanos, que arranjam famílias de acolhimento ou encaminham os processos para serem julgados. Infelizmente, na maioria das vezes esses processos são arquivados.
OMS Guiné-Bissau: Quais são os impactos da violência de género ao nível da saúde?
Caterina Viegas: Todo o tipo de violência, seja física, psicológica ou verbal deixa uma marca. As vitimas ficam com traumas.
Se for violência física, a pessoa tem que procurar estabelecimentos de saúde, para poder ter um tratamento e muitas vezes as vitimas economicamente não têm meios para poderem pagar os serviços criar estratégias tanto de colaboração com outras entidades.
Por exemplo, se a vítima for de violência sexual, existem uns tipos de tratamentos que deve ter, observar que tipo de lesões teve. Os técnicos de saúde, têm que colaborar com várias Instituições, como por exemplo a Inspeção Geral do Trabalho, Instituições Judiciarias, para que o caso seja abordado nas várias vertentes.
Queria dizer também, que as Instituições Religiosas, trabalham muito na defesa da vítima. Estas organizações estão espalhadas por todo o país e situam-se nas zonas com menos acesso, sobretudo na zona Sul, onde existem muitos casos de violência e casamentos forçados. Esses pastores dão assistência e enviam as vítimas para Bissau. Na capital, existem mais sistemas e formas de atendimento e de acolhimento para as vitimas, tanto ao nível das Instituições de Saúde, como de Instituições de Acolhimento.
OMS Guiné-Bissau : O que é que a OMS e outras agências das Nações-Unidas, poderiam fazer para continuar a apoiar as vítimas de violência de género?
Caterina Viegas: Seria importante preparar kits para as vítimas de violência, tanto sexual como física. Sei que existem esse tipo de kits para grávidas.
Outra ideia, seria de desenhar uma equipa multidisciplinar para apoiar as vítimas. A OMS e outras agências, poderiam fazer campanhas de sensibilização. Poderia igualmente, recolher informação das vítimas e fazer um recenseamento. É importante ter dados e fazer o seguimento e monitorização.
OMS Guiné-Bissau: Acha que aumentou a violência contra as mulheres durante a pandemia?
Caterina Viegas: Com a preocupação com o estado de emergência, houve uma maior violência doméstica. Tanto os homens, como as mulheres estavam agitadas e já não aguentavam a relação normal nas suas casas. Houve de facto, um aumento dos relatos sobre agressão e violência. Com a pandemia e com as medidas restritivas, as mulheres também não puderem vender os seus produtos nos mercados, o que limitou o seu poder económico.
OMS Guiné-Bissau: A violência contra as mulheres, é um combate das mulheres, das meninas, mas também é uma luta dos homens e afeta toda a sociedade. Como podemos involucrar essas pessoas?
Caterina Viegas: A Violência baseada em género, é uma luta de tod@s. Todos os homens, mulheres e jovens devem de uma forma coordenada trabalhar nesse aspeto. Devemos promover o diálogo!
"Com a pandemia e com as medidas restritivas, as mulheres também não puderem vender os seus produtos nos mercados, o que limitou o seu poder económico."