A história de Helena contada por Helena
A história de uma guerreira que lutou pela sua dignidade e afirmação social.
“O meu nome é Helena Assana Saïd e tenho 51 anos. Sou assistente social e coordenadora dos Pólos de Apoio Técnico para o Acesso das Mulheres à Terra das regiões de Biombo e Bolama-Bijagós. Não sou de nenhuma destas regiões, sou Fula da região de Gabú e vivi a mesma violência da falta de acesso à terra das mulheres que hoje me proponho ajudar. Tenho cinco filhos, 1 rapariga e 4 rapazes. Quando o mais novo tinha 3 anos quase morri às mãos do pai dele, que era o meu então marido. Ele batia-me. Daquela vez atacou-me com uma enxada. Foi uma funcionária das Nações Unidas que me salvou. Era o único número que eu tinha de fora da comunidade. Telefonei-lhe e ela mandou uma equipa de intervenção rápida, levaram-me para o hospital e sobrevivi.
Quando recuperei soube que o meu marido já tinha construído o seu caso na polícia: tinha-se auto-mutilado e tirado uma fotografia; tinha-se despido e feito golpes pelo corpo – disse que eu o tinha atacado e ele tinha sido obrigado a defender-se. Ele pensava que eu ia continuar a ser a sua escrava, mas eu percebi que, se ficasse, ele acabava por me matar. Fui eu, com o meu esforço, que construí a casa onde vivíamos, mas os terrenos eram dele e da sua família. Deixei-lhe a casa. Deixei-lhe tudo. Agarrei nos meus filhos e fui-me embora.
Trabalhei muito, mas estou bem. Hoje tenho terrenos no meu nome e duas casas com gerador e painel solar. Acho que foi a raiva que me fez trabalhar. Acho que não há nada que nunca tenha comercializado: frutas, legumes, ovos, galinhas. Passei três anos a pagar os meus terrenos a prestações, mas consegui. Em 2009 comprei a minha terra em N’Salam, na beira da estrada, exactamente na curva onde Amílcar Cabral disse que a revolução devia começar para avançar para Bissau. Paguei 1,5 milhões de francos CFA – hoje não há nada junto à estrada por menos de 5 milhões.
Na região de Biombo enfrentamos um enorme desafio. Todos os dias há conflitos ligados à terra. Como Biombo está muito perto de Bissau, a região está a ser engolida. Já está tudo vendido a investidores para um dia urbanizar. Neste momento já não há terras nem para a agricultura. E a etnia Papel, que é predominante na região, é muito dura, tem um sistema sucessório muito complicado e que não tolera que as mulheres possam herdar. Na tradição Bijagó, as mulheres já têm mais voz, mas, mesmo assim, não é real, porque as administrações locais não as reconhecem como detentoras de poder e, desde que também nas ilhas a terra começou a ter valor para investimento, tudo se alterou. Numa região e outra, virão ainda muito mais conflitos do que os que já existem.
O N’Tene Terra tem nas mãos um grande desafio de desenvolvimento. Parece-me que agora o necessário é apoio financeiro para criar antenas e postos de mediação nas tabancas, caso contrário a situação vai-se agravar e ganhar contornos que o próprio Governo não poderá controlar. Em Biombo todos os dias há 2, 3 pessoas com queixas, pessoas a matarem-se. Às vezes, até parecem outras questões, mas são sempre questões de terra.”
Em colaboração com a União Europeia, a FAO na Guiné-Bissau lançou a rede ParteMulher, que visa prestar apoio técnico às mulheres que procuram obter justiça de género em matéria de direitos fundiários. Habitualmente, as mulheres na Guiné-Bissau não têm direito à terra, apesar de serem a espinha dorsal do sector agrícola. Composta por representantes das regiões do país, a rede recebeu formação para mediar litígios fundiários e interagir com as instituições nacionais relacionadas com a terra. Uma das 58 representantes regionais contou-nos a sua própria história de perda, luta e conquista.